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“Iemanjá, Rainha do Mar” Bug Sociedade


A RAINHA E O MAR

Mais um 2 de fevereiro onde a verdadeira fé no encanto de Iemanjá vai acontecer dentro de nós. Pode parecer muito ruim num primeiro momento, mas logo antes do início da pandemia, estive no Rio Vermelho no alvorecer e saí de lá arrasada com a quantidade de gente bêbada que já (ou ainda) estava se arrastando antes do sol do dia 2 de fevereiro nascer.


Onde fica Iemanjá, na festa de Iemanjá? No calendário turístico, no soro glicosado do Posto de saúde, no patrocínio da cervejaria da vez, na cara amassada de quem brigou na rua ou foi roubado? Ninguém parece estar ligado que o valor que faz a festa todos os anos não é a cerveja e sim a fé.


Aliás, muita gente reencontrou a fé, depois que a pandemia sem fim começou. Mas nada foi suficiente pra “limpar” o tamanho da dor que estamos sentindo. Ela é mesmo sem fim. A cada dia, uma perda diferente de pessoas inimagináveis. E a coisa não para de ampliar. Nos despedimos compulsoriamente de pessoas que partem por causa da COVID ou não – parece que a “pecinha viver” está numa engrenagem trepidante, perigosa e a gente deixa os olhos se perderem nas recordações dos tantos que foram, com medo de nos surpreendermos mais ainda com novos passageiros. Iemanjá, bem mais sozinha, sem a agressão de se ver como a “vendida da cervejaria”, abre a energia do mar e recebe seus filhos. Eu, que sou de Ogum, vejo os ataques à vida, mas não sei a quem devo atacar. Só sei que é uma guerra onde cuidar do outro é nossa melhor arma.


- Iemanjá, minha mãe, a rainha do mar, a protetora de todos nós que aqui em Salvador da Bahia, a todo momento queremos vê-la e molhar os pés nas tuas águas – recebe e acolhe. A quem errou, perdoa. Ame, agradeça pela graça, pela saúde, pela fé no teu poder.


Iemanjá, que está além das águas e que guarda os mistérios do mar, onde está o momento em que governos e governados vão também honrar o princípio de amor que rege sua vida? Seremos capazes de te honrar, pelo menos não poluindo o mar ainda mais? Ou será mais um ano, onde a fé vai perder para a latinha de cerveja, as pessoas vão lamentar “a água que não comeram” (comer água é beber, por aqui) e os bares vão reunir “viventes e bebentes” que continuarão a ignorar a gravidade da ômicrom e vão beber o dia inteiro, sem máscara, no meio dessa onda?


Feliz ou infelizmente, o IPTU caríssimo da nossa cidade pode ser claramente percebido porque com menos festas, sem a bebida como atração principal, estamos ligados, conscientes e podemos perguntar se o nosso dinheiro está mesmo sendo bem gasto. Iemanjá continua fugindo da poluição no mar, tanto quanto nós aqui na terra. Nada mudou, a não ser esse ensaio malfadado de se querer que os pais assinem uma autorização para que a vacina seja aplicada em crianças, quando o fato do pai ali estar atesta o óbvio – se ele levou, está permitindo. E sem tanta “água pra comer”, talvez a cegueira comece a ser curada.


Iemanjá decretou que a festa é de consciência, de despedida, de dor e de descoberta. Quem é o verdadeiro soteropolitano? Você é turista onde nasceu ou tem mais ambições pra Salvador? Mais serviço bom e menos política só pra Rainha ficar com os olhos brilhando? Com fé que no ano que vem Iemanjá vai nos abraçar de dentro do mar.


Por enquanto, ainda é acalanto. Mas com tanta perda e lágrima, acalanto também é bom.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


“Iemanjá, Rainha do Mar” Bug Sociedade

Aprendi com meus pais, tias e irmãos, desde menina, a respeitar o Mar. Com eles descobri esse enorme monstro de energia da vida. E me apaixonei por ele. Temia enfrentá-lo até aprender a nadar. Quando aprendi, deixei de o temer. Passei a respeitá-lo profundamente. Ele dá, ele tira. Achamos que isso acontece na nossa lógica humana, mas à medida que vamos avançando nos anos, vamos percebendo que nem sempre tem a nossa lógica o que acontece no Mar. Já amei ser embrulhada nas ondas, já me assustei pelas mesmas razões sem nem saber para que lado era a tona da água. Já estive do lado de peixes Barracuda, inclusive brincando com eles sem nem imaginar como são imprevisivelmente perigosos. Talvez já tenha acontecido o mesmo com seres humanos. Não sei porque nada me sucedeu e porque eles não me atacaram. O que sei é que no ano seguinte, no mesmo lugar, uma mulher, especialista em biologia marinha, foi atacada por um, na perna, com a água pelo joelho. Inacreditável! Toda a minha vida tive medo profundo de tubarões. Via programas do Cousteau todos os sábados, desde bem pequena e construí um medo enorme e terrível por tubarões. Pois estive perto de tubarões, por duas vezes e aqui estou. Passei vergonha, morri de medo, parecia uma criança surtada cheia de pensamentos bizarros, virei patética, mas depois de passar pela situação, parecia ter conquistado o mundo. Passei em 20 minutos de morrer de medo para a maior do pedaço. Que figurinha! Um dia essa história merece virar conto, porque Deus deve ter chorado de tanto rir e se fosse hoje bateria recordes da pateta da internet. Mergulhei com golfinhos, ou melhor, mergulhei em cima dos golfinhos e quando consegui ver alguma coisa para além de espuma, cadê eles? Procurei baleias mas não quiseram nada comigo. Estão perdoadas porque também tinha medo que viessem e engolissem o barco. Só ler sem viver a vida real por vezes ajuda a criar medos de tudo o que não se conhece ao vivo. Mas vejam bem. Tudo isto eu vivi e, quase morri afogada na praia que conhecia desde a minha infância, sabendo nadar, com a família do lado sem dar conta do que me sucedia, depois de uma ondinha aparentemente suave e igual a mil outras.


E, passado meio século, vivo numa cidade com uma ligação extraordinariamente mágica com o Mar. Salvador e Iemanjá. E que esse Mar que eu tanto amo desde menina é protegido no feminino. Era e é então essa a presença que sentia e sinto, sempre que estou no Mar. Então está tudo certo. Tudo parece fazer mais sentido agora.


Iemanjá, Mãe-D’Água, Sereia, Iara, Rainha do Mar, Janaína, Quissimbe, Dandalunda, Marabô, Princesa de Aiocá, Inaê, Mucunã, Mãe dos filhos-peixe, Mãe protetora de quem entra no Mar, Divindade Protetora da Pesca e quem decide o destino dos que entram no mar. Com toda a certeza faltarão mil e um nomes mais.


Seu dia, 2 de fevereiro. Uma incrível festa de gente e de energia que este ano ainda não é possível, porque precisamos ficar todos bem primeiro. Os que vão sobrar. Porque a cada dia vai um, ou dois, ou mais. E já não sabemos se estaremos aqui também.


São estas águas quentes, lotadas de sal, com uma costa de perigoso “mar aberto”, com peixes de sabor forte, que te embrulham o pensamento como uma onda. Por que vens de um lugar onde tudo é de outro jeito. E ao mesmo tempo Iemanjá te abraça como uma mãe. E isso é tudo estranhamente acolhedor. Só aqui, neste lugar, me emociono quando entro na água e deixo as ondas se misturarem com as minhas interrogações. Eu e o Mar. De novo.


Quem sabe um dia Iemanjá me explica porque as suas ondas parecem ter entrado em terra para embolar as nossas vidas, nossos caminhos, nossos destinos. Foi ela que colocou tanta água nos nossos olhos que não conseguimos ver o futuro? Adoeceu nossos corpos? Nos dá, de vez em quando dias bons e a gente anima e busca de novo a esperança, e logo de seguida nos embola noutra onda e nos leva pessoas queridas, e o que construímos por décadas?


Quem sabe Iemanjá, quem sabe, mesmo sem festa no seu dia 2 de fevereiro, a senhora nos protege com seu sal, nos embala nas suas ondas para curar a dor e as doenças e traz um pouco de bondade aos homens e à Terra. Simplifica o caminho e a mente dos que só pensam em si, no poder e na sua vaidade.

Ana Santos, professora, jornalista


2 de fevereiro de 2022, dia de Iemanjá.

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