“Eu sei o que você fez no verão passado” Bug Sociedade
- 28 de fev. de 2023
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“Eu sei o que você fez no verão passado” Bug Sociedade
Do que você se arrepende? Sempre há algo do que se arrepender!
Assim, passinho por passinho, vamos saindo do tremendo trauma causado pela treva da vacina cuja ameaça velada era de que poderíamos acordar com a “forma de jacaré” para uma campanha de vacinação onde o presidente – idoso com mais de 70 anos – chama a imprensa e estica o bracinho – uma delícia! Mas não apenas. Os Yanomamis saíram do noticiário porque estão sendo cuidados por nós, brasileiros, finalmente – já que o governo anterior nos ocultou o abandono, a fome a doença, a falta de esperança. Entraram no noticiário os garimpeiros – juntamente com os clamores de ajuda dados pelo presidente da comissão que deveria cuidar dos interesses dos Yanomamis, mas que estranhamente os trocou pelo dos supostos bandidos – que, aliás, atiraram contra o IBAMA e são coitados – aliás, como todos os que não são ricos, no Brasil.
Dar tiro parece ser uma espécie de seita. Alguém, usando um “boné revelador” sobre um candidato e uma campanha eleitoral, perde na sinuca e mata 6 pessoas, incluindo uma criança. Já, já, a palavrinha da moda entrará no circuito, dizendo que esse assassinato é uma “narrativa” – o que subverte a definição da palavra porque “narrativa” virou sinônimo de mentira ou subversão da verdade. Guerra de narrativas então, virou sinônimo de “mentira pra todo lado”, bate boca generalizado, onde cada um grita a sua história e põe robôs para multiplica-la e enganar os trouxas.
- Eu sei o que você fez no verão passado! E nos retrasados também! Eu sei, eu me lembro das frases machistas, dos olhos brilhantes de antigamente, da “coragem indômita” que virou lágrima de crocodilo – será que por conta da vacina, que afinal foi tomada? Será que porque todos souberam de mais um segredinho sujo?
As encostas continuam derretendo, governo após governo, mas agora, nós sabemos qual será a resposta do clima – terrível, cada vez mais terrível. E é inadmissível justificar ser contra construções de casas populares para quem precisa delas, com esse raciocínio egoísta e abjeto de sempre, no Brasil - porque o que “desvaloriza” é o caráter social da nossa vida, que não existiria se fôssemos, sobrevivêssemos isoladamente.
Todos sabemos o que fizemos nos verões passados. Quem ainda sentir vergonha do que poderia ter feito, do que deixou de fazer, tem salvação social num mundo que vai precisar cada vez mais do funcionamento grupal, se quiser sobreviver ao que veremos.
Faça o presente, seja o presente. Porque nós sempre sabemos se dará ou não cadeia o que fizemos no verão passado.
- Olha o calendário, canequinha, tábua de cortar carne! (O que você anda fazendo nesse verão, hein?).
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“Fracassar?” Bug Sociedade
Por vezes gostava de conversar com todos no mundo e perguntar porque tudo tem de ser assim. Pedir ajuda, conselhos. Discutir, confrontar. Cada um tentando sobreviver como aprendeu, fazendo coisas erradas – sabendo que estão erradas - mas incapaz de parar. Todos aparecemos nas redes sociais com vidas perfeitas, imaginadas. Mas não é igual olhos nos olhos? Frente a frente? Todos mostramos – ou tentamos - o melhor de nós perante os outros, até os outros nos estimularem caminhos que não queremos fazer. Aí, como diz Arun Mansukhani, psicólogo e sexólogo, é quando ficamos a conhecer uma parte do que somos e que sempre está escondida. A parte de nós que depois dizemos que não é nossa, que nunca fizemos aquilo, que nem nos reconhecemos, que foram os outros que nos empurraram para esses comportamentos. A parte que fugimos cada vez mais nas redes sociais e que quando uma situação a desperta – normalmente com outros, frente a frente, tendo que lidar com o que recusamos aceitar, com o que recusamos perder, tantas vezes nos transforma em pessoas irritantes, “surdas”, teimosas, desumanas, desagradáveis, monstruosas. O caso de Hong Kong: ex-marido, sogro e cunhado matam, esquartejam, cozinham, sei lá o que mais, uma mulher que fazia parte da sua família. Por dinheiro. O que temos dentro de nós deve ser domado, conhecido, apaziguado, para que não viremos piores animais do que os animais – que tanto nos ensinam a todo o instante.
Por que insistimos? Tropeçando uns nos outros a todo o instante. Para quê? Desejando o que os outros têm em vez de ir em busca do seu e de si mesmo. Carregando seus dramas, suas mazelas da vida, sem saber por onde sair das encruzilhadas. Sofrendo em silêncio.
Por vezes gostava de não ter de falar com ninguém. Parar o tempo, ou recuar o tempo, ou avançar o tempo. Não viver o momento, aquele que todos os gurus dizem para viver – sim, esse mesmo, o que por vezes dói demais. Não ter de obedecer. Não ter de ver, não ter de saber, não perceber, nada ser. Nos dias em que parece tudo tão complicado, tão lento, tão bizarro, conseguir rir, seguir. Resistir.
Por vezes a vida é tão fácil, por vezes a vida é tão difícil. Mas que ela é surpreendente, disso não tenho mais dúvidas.
Observo o meu país a desabar, o povo a empobrecer, a perder a dignidade. Enormidades de dinheiro gasto para manter uma companhia aérea – como o pobre que tenta ter uma piscina, TV cabo, internet apesar da sua casa ser um barraco. Míseras aposentadorias a pessoas que trabalharam honradamente uma vida inteira. A degradação profunda do sistema nacional de saúde. A forma como se tem tratado os professores - inacreditável, chocante, revoltante. É dar marteladas nos alicerces de um prédio, sem perceber – ou sem querer perceber – que está colocar todas as condições para o prédio desabar. Mas vejam, criar condições para o prédio desabar mais tarde, para ninguém lembrar quem iniciou as “marteladas”. Um pequeno país imitando os outros, seguindo os comportamentos que noutros países não deram certo. Todos sabem que aquilo não é caminho mas fazem-no e fazem-no em conjunto – gente paga a peso de ouro pelo dinheiro dos que cada vez têm menos. Como os que esquartejaram...sabiam o errado que era e o fizeram...em conjunto...
Já não existe vergonha, nem cuidado em esconder as estratégias, as armadilhas, os interesses. É abertamente, como se isso significasse coragem – e afinal o nome é outro bem mais abaixo. É impressionante a quantidade de pessoas medíocres que “sobem na vida”. Que estão em cargos de imensa responsabilidade. Que abrem a boca para soltar leis e regras. Que foram habituadas na sua criação, a ter tudo e a mandar em tudo. A comprar tudo. A achar que o mundo lhes deve.
Não canso de me perguntar para onde queremos ir. É inacreditável o caminho que escolhemos a cada instante. O desejo de ter corpos todos iguais, na forma, nas tatuagens, nos piercings. Nas atividades físicas escolhidas. Memorizar as mesmas opiniões. Desenvolvemos uma criatividade também muito padronizada e que exclui quem faz muito diferente. “Quem aquela pessoa pensa que é?” Bom talvez ela queira ser o que você não está a conseguir... Marketing nem se fala – todos iguais, fazendo o mesmo, como pipocas. As televisões com programas vazios, sem nenhuma profundidade – canal curta e canal arte as honrosas exceções. A salvação de conteúdo continuará a ser o canal 2 da RTP em Portugal – um caso bem à parte. A internet, aguardando a chegada de professores – inundados de preconceito, atrasam o chamado da vida e se recusam a ocupar esse espaço – onde têm tudo para ser os melhores e o mundo precisa dessa ajuda. A desgraça da educação talvez seja o estímulo para experimentarem essa internet onde o seu conhecimento é necessário e talvez sejam mais respeitados. Fica a dica. Sempre sai alguma coisa boa das coisas más.
Confuso? Como o mundo, como a vida, como a nossa cabeça. Nada que não se organize, nada que não melhore, nada que não seja possível.
O ser humano é muito mais capaz, mas parece que não quer acreditar nisso, com medo de fracassar. Mas não existe fracassar. Existe tentar e conseguir ou continuar a tentar. Porque isso não se ensina em nenhum programa, em nenhum lugar? Isso e tantas coisas úteis?
Ana Santos, professora, jornalista
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