“ESTADO E RELIGIÃO TRILHAM CAMINHOS SEPARADOS – E O CÉU APROVA” Bug Sociedade
“O Estado Laico, em sentido estrito, apresenta duas características: a separação entre Estado e Igreja; a liberdade de proteção de crença” (Wiki Jota).
Comecei com essa definição bem comum do que é Estado Laico porque não me pareceu que todos soubessem o que significa, sem muito pensar. Isso me ocorreu porque ouvi um comentário de Rita Von Hunt que me deixou boquiaberta, por ser inimaginável: aqui no Brasil foram abertas 38 mil igrejas novas nos últimos sete anos, enquanto abrimos 197 universidades. 38 mil novas igrejas para 197 universidades.
O que uma coisa tem a ver com a outra? Pela minha experiência de consultório, há problemas quando essas duas coisas voltam a ser misturadas. Por exemplo? O desprezo à lei de Darwin, em nome do “surgimento do homem, versão divina”, ou seja, desprezando a nossa evolução a partir dos primatas. Deus “esculpiu Adão do barro, deu um “soprinho” e tcharam! Não contente, quebrou a costela do coitado do homem e dela tirou a mulher. Ou seja: Deus entre escultor e cirurgião plástico.
A ciência ouvindo alguma religião dizer que a Terra é plana, no lugar das inúmeras provas cabais acerca do formato do planeta ou tendo que discutir o erro de convidarem a todos para os cultos na pandemia porque Deus iria fazer os milagres que salvariam todos do vírus – e que acabou com setecentos mil mortos espalhados pelo nosso território. E se alguém acreditou nisso e escapou, se dá mais um passo – vacinas são opcionais.
Percebem o perigo extremo? Primeiro, que deixamos de ser responsáveis pela condução da nossa vida, pelo senso e a responsabilidade de estarmos vivos e contribuindo pra o bem da humanidade porque cada um faz o que quer e Deus que se vire pra resolver nossos pepinos. O Estado vira uma coisa inútil. Pra quê estudar se Deus provê? Pra quê fazer escolas, hospitais, fazer esgoto e água encanada, pra quê segurança pública, se a gente tem a fé, que é uma ação interior, profunda, bela e mágica, pela ação ininterrupta das mãos de Deus, o que nos obrigaria ainda a acreditar não apenas na existência de um Deus, mas exatamente desse Deus.
Partindo desse pressuposto, e se o Deus “escolhido” para ser o do Brasil não fosse aceito por todos? Se fosse o Deus dos judeus, por exemplo, não poderia haver Jesus, nem Santa Dulce dos Pobres, nem Oxalá, nem banho de água de cheiro, nem água benta. Não haveria mais o Novo Testamento, nem o Amai-vos uns aos outros. Eu falo isso porque todo mundo crê que o seu Deus é o principal, mas criar um saber contaminado de religião e Estado é perigosamente estúpido. Perigosamente parecido com o terrorismo do Irã, por exemplo. O radicalismo religioso que pode apedrejar vários conservadores, por exemplo, já que nem todos têm a mesma religião.
As pessoas não pensam que a troca de experiências de vida é válida por isso? Porque nos flexibilizam para aceitar os costumes dos outros – por exemplo?
Fogueiras, espancamentos, estupros, apedrejamentos, emparedamento – tudo aconteceu dessa mesma semente podre que já uniu, no passado, Estado e Religião.
Sua fé é santa – a comemore. Mas não envolva os assuntos da fé nos assuntos do Estado porque um dia você pode se perguntar por que Deus não lhe deu sua casa, ao invés de cobrar planos de habitação e bom planejamento das cidades aos candidatos a cargos públicos. Não seja indolente com Deus – Ele não pode fazer o seu serviço.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“Que tempos esses...” Bug Sociedade
Os resultados das eleições legislativas em Portugal, este domingo, são preocupantes. Já era previsível, mas não deixa de ser preocupante. A direita, com a Aliança Democrática (Partido Social Democrata, CDS-Partido Popular e o Partido Popular Monárquico), venceu, o segundo classificado (Partido Socialista) obteve resultados muito próximos. No semanário Expresso, informa que a AD obteve 29,5% e o PS obteve 28,7%. Ironicamente, se consultarem o site do Ministério da Administração Interna - aqui, podem perceber que o resultado deu PS em primeiro lugar com 28,66% e a AD com 28, 63%. Isto nos deixa preocupadas com o estado das organizações e instituições, atualmente. A extrema direita, com o Partido Chega, cresceu exponencialmente, ficando em terceiro com resultados alarmantes. A proximidade da esquerda portuguesa, com as ações de Putin, principalmente com a invasão da Ucrânia, degradou a sua relação com a população. As lutas internas no PSD, enfraqueceram sua imagem, sua força. O PS, meu Deus, o que dizer do Partido de Mário Soares, que, neste último mandato, quando teve a maioria governativa, perdeu a mão, perdeu a cabeça, perdeu o chão? No meio deste caos, surge um partido que parece uma brincadeira ou um grupo liderado por um rezingão, mas que tem muitos amigos europeus e de outros continentes (Brasil de Bolsonaro, por exemplo) – muito apoio, muitos ensinamentos sobre inteligência artificial, sobre comunicação e marketing nas redes sociais, etc. Novos tempos, perigosos tempos. As estratégias que funcionaram no Brasil – um país continental – em Portugal, funcionam num piscar de olhos. E, partidos de pessoas que incitam ao racismo e depois se dizem anti-racismo; que incitam à homofobia e depois dizem-se “modernos”; que incitam contra o aborto como sendo uma ação religiosa correta; que falam dos ciganos de forma depreciativa e depois dizem que são os primeiros a defendê-los; que ao elogiar as mulheres as colocam num lugar de inferioridade semelhante ao da idade média; que consideram gastos desnecessários os apoios que se dão a pessoas que não têm como viver, que precisam de cuidados; que não aceitam estrangeiros num país que na sua história sempre emigrou - abriram a porta para muitas pessoas destilarem seus ódios, suas invejas, seus preconceitos, sua agressividade, vingança até. Percebe-se que os brasileiros que fazem parte do Chega, têm o discurso bolsonarista na ponta da língua – vazio, pleno de hipocrisia, do promessas vãs, uma suposta ligação e preocupação com a Pátria, com Deus, com a Família. Dizem que dentro de nós existem dois lados e que o lado que se desenvolve é o que alimentamos. Parece claro que lado está a ser alimentado nas pessoas, pelo partido Chega. Mas não é só isso. Esse partido mostra uma energia, uma inovação, uma vontade de confronto que os outros não têm – estão todos muito envelhecidos na forma de falar, de agir com o povo, nas propostas. Na energia. Isso é um perigo grande, mas as pessoas dos partidos mais antigos e mais históricos, não prestaram a devida atenção. Estão preocupadas com os cargos, as lideranças, as vaidades. Está em perigo o Portugal que nos envaidece, que é honesto, trabalhador, gentil, capaz, genial, talentoso. O envelhecimento não vem só da idade, vem da forma de pensar, de comunicar com o povo, de projetar o futuro. Dar recados, sermões, avisos, ameaças, à população, não funciona. As pessoas precisam ser tratadas como gente, com respeito, com direito ao mínimo para terem qualidade de vida. O português nobre é silencioso, não se queixa, não confronta. Mas está a ser explorado, enganado, abandonado – há muito tempo. Vozes de maturidade “preguiçosa”, não funcionam – dizer que existem problemas e que “vão” ser resolvidos, um dia, não dá mais. A população quer pressa, ação. O Chega dá ação, energia, só que está guiando as pessoas para o abismo. Elas acham que aquela energia traz coisas boas...os mais velhos acham que virá a organização do “passado”(Ditadura não é organização, apesar de parecer). Os mais novos sentem que são ouvidos, que não são tratados como “meninos”. É preciso respeitar os mais novos e os mais velhos e proporcionar-lhes o que merecem, ou, como aqui, onde Bolsonaro enganou mais de 200 milhões de brasileiros, o Chega está enganando 12 milhões de portugueses com palavras vazias, fingidas de valor. O futuro próximo será difícil, num país que se tornou um lugar com uma percentagem muito elevada de idosos, de pessoas com incapacidades, com pessoas pobres, contrastando com uma percentagem de pessoas cada vez mais ricas. Um partido como o Chega pode causar muitos danos, se a população saudável e ativa não estiver atenta.
A cerimônia de premiação dos Óscares, também neste domingo passado, foi muito simbólica. Vários carinhos, vários cuidados. Colocar 5 premiados a elogiar os 5 candidatos a melhor atriz e ator secundário, melhor atriz e ator, foi muito bonito. Ouvir a música dos indígenas americanos foi soberbo. Se não é o cinema, quem valoriza a cultura dos povos? Os países dificultam os apoios ao cinema, mas é o cinema um dos melhores veículos para eternizar a cultura e o patrimônio da humanidade, atualmente, e para alertar e informar os outros povos sobre o que acontece com outras pessoas. O discurso do vencedor do primeiro óscar da Ucrânia, pelo documentário “20 dias em Mariupol” é assertivo, impactante, tocante. “É tão maravilhoso ganhar um Óscar, mas que o trocaria pela paz e por Putin nunca ter invadido a Ucrânia”. Ouça. Filmes impactantes, documentários mais impactantes ainda. Sabermos que existiam famílias tendo vidas luxuosas do lado de campos de concentração; sabermos que existem homens que dão novas vidas a ex-presidiários, moradores de rua, ao lhes ensinar uma profissão, ao emprestar dinheiro que os bancos não emprestam. Lugares com pessoas para lá de especiais que fazem a manutenção dos instrumentos musicais de meninos e meninas com escassos recursos mas um mundo de sonhos e de vontade. Teve mais, muito mais. E o mais importante, ir ao cinema, pode ser uma das melhores formas de se manter atualizado, de perceber melhor o mundo, de se manter com os pés bem assentes no chão e de lutar pelo que é certo.
Ana Santos, professora, jornalista
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