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Conto "Uma família numerosa"

Nasci numa família com dez filhos… Numa família onde havia muito amor e paz…
Eu apareci entre dois rapazes, em oitavo lugar e porque o terceiro morreu bebé. A minha mãe teve doze partos mas o último menino também morreu porque nasceu muito débil e não viveu mais de seis meses…
O nosso pai estava ausente todo o dia, para trabalhar… Primeiro foi funcionário dos Caminhos de Ferro mas não era a sua única ocupação. Era correspondente bancário (naquele tempo não havia os bancos que hoje pululam) e trabalhava com uma Agência de Seguros, além de percorrer as quintas da região para comprar vinhos que depois ia vender a Lisboa, para exportação…
E quando ele ia a Lisboa, de madrugada para voltar à noite para casa, trazia sempre uns mimos para os filhos… Todos perscrutávamos a sua chegada porque trazia figos forrados de nozes e as bananas que comprava na estação de Santa Apolónia, pois o tempo era escasso. Era um verdadeiro presente para todos nós…
Trabalhava muito para que nada nos faltasse mas a Mãe também colaborava pois além de se ocupar de nós, ainda geria uma mercearia e um pequeno restaurante.
Havia sempre uma empregada para os trabalhos de limpeza e das roupas mas a Mãe não tinha descanso antes da noite já longa…
Na casa onde quase todos nascemos, havia um grande quintal, onde as árvores de frutos eram muitas e produziam belas maçãs, peras, figos, ameixas, cerejas e a vinha que dava gostosas uvas brancas e tintas…
Era aí que brincávamos, porque a Mãe não gostava e não permitia que fôssemos para longe do seu controle.
Eu brincava sobretudo com os dois rapazes entre quem nasci e houve vários episódios que me ficaram na memória, uns mais alegres mas houve sobretudo dois que nunca esqueci…
O primeiro a que me refiro passou-se na estação do caminho de ferro que ficava muito perto de casa.
De manhã, os que ainda não íamos à escola, levávamos o pequeno almoço ao Pai e, como ele deixava sempre pão, tínhamos o direito e o prazer de ir dá-lo aos peixinhos que havia num pequeno lago com um castelo ao centro e um chafariz…
Mas um dia decidimos ficar mais tempo e ir brincar com um carrinho de transportes de pequenas mercadorias, ao longo da gare. O mais velho dos três é que dirigia a brincadeira e empurrava o carrinho e, a um dado momento, quando o carro tomava uma velocidade exagerada, ele tentou travá-lo com as mãos… Estão a ver o resultado? Três dedos esmagados e tivemos de ir a correr chamar a Mãe porque além de tudo o mais era a nossa enfermeira, mas o acidente foi demasiado grave e foi preciso levá-lo ao médico… Ficámos todos muito arrependidos mas isso não evitou a dura repreensão da Mãe.
O segundo, que me ficou para sempre na memória, aconteceu numa mata que existia, em frente da casa, do outro lado da estrada, onde os dois irmãos mais velhos organizavam, ao domingo, competições de « tiro aos pratos » cuja máquina disparadora ficava metida num grande buraco. De noite choveu muito e o buraco encheu-se de água… Com o meu irmão mais novo, fui para lá, brincar ao jogo das «cinco almofadinhas».
A um determinado momento, uma almofada foi parar ao poço que esbordava de água. O mano, muito gentil, quis recuperar a dita almofada mas caíu à água e como salvá-lo?...Felizmente, quando eu tentava tirá-lo da água passou um carreteiro, que transportava os produtos para as mercearias num carro de bois. Vendo a minha aflição ele acudiu e tirou o meu irmão do poço…
Claro que a Mãe perguntou «porque não salvaste tu o teu irmão?» e eu respondia «eu puxava-o mas ele caía …»
Moral da história «o meu irmão mais novo, que é o mais calvo de todos, diz que fui eu que lhe arranquei o cabelo todo ao tentar salvá-lo…» Que acham???
Lúcia