
08 de junho, meu aniversário, uma comemoração. Às avessas. Com a COVID, parece que tudo ficou um pouco ao contrário. Estou há tanto tempo em casa, que meu bom humor natural virou uma especialidade minha. Quero conseguir ver toda essa miséria com olhos benignos e mais sábios, mesmo sabendo que “enquanto os sinos dobram” há provas de loucura por todos os lados.
Ainda não sei bem se vale a pena comemorar alguma coisa que não seja a própria vida – tantos e tantos já a perderam, em nome de uma discussão estúpida sobre se há remédio ou não pra uma coisa que todos sabem que não tem remédio depois que se pega. Que o único remédio que existe contra a COVID é tomar vacina – 2 doses – e continuar poupando quem ainda não conseguiu um lugar na fila. E torcer e brigar pra que todos a tomem. TODOS.
8 de junho, meu aniversário e agradeço por, além da vida, termos comida. Agradeço meu mestrado, minhas especializações todas, mas hoje percebo que saber fazer mudas é quase tão útil quanto meu mestrado, talvez mais útil porque não como mestrado, mas como alecrim, manjericão, abacate, tomate, rúcula, etc.
Tanta coisa a gente aprende quando olha ao redor... Tanta gente, a gente aprende um pouco mais quando olha ao redor. O catador de latinha da minha rua tem um bebê pequeno e sem nós, nenhum leite. Jaime Figura é um símbolo dessa cidade, mas pouca gente tem se lembrado da marca dos seus passos andando nela com a armadura de um “São Jorge baiano”, de um Dom Quixote pós-moderno...
8 de junho e a CPI descobre vídeos de reuniões do “Shadows Cabinet”. A semana do meu aniversário também é a primeira semana onde teremos depoimentos de terça à sexta. No meu aniversário se reapresenta o Ministro da Saúde – aquele que diz que tem autonomia, mas não consegue nomear uma cientista de verdade, cujo crime é ser fiel à ciência, de verdade e dizer a verdade – apesar das “atrizes pornô terem financiado a pesquisa para desqualificar a cloroquina”... ai gente, vamos combinar pra votarmos não na história, mas na saúde mental atual de cada candidato na próxima eleição, por favor? Alô gaúchos! Foram vocês que tiraram esse coelhão da cartola?
8 de junho e os senadores Randolfe, Fabiano, Alessandro, Omar e Otto deixaram o Brasil vibrando mais que a seleção, que pode se regenerar se, finalmente, tiver a coragem de dizer que, haja o que houver, não vai jogar e pronto. Atualmente, nós temos 500 mil motivos de má vontade e tristeza – e por isso mesmo, a minha dedicação ao bom humor é mais difícil ainda. Mas percebemos que indignação e inconformidade não têm partido e que precisamos de um candidato que represente todos os indignados neste momento. Parem de brigar e se organizem.
8 de junho e todos se regalam com a própria falta de delicadeza e educação uns com os outros. Se gabam no Facebook, inclusive.
8 de junho e eu perdi amigos não apenas para o COVID, mas para o pensamento sectário, onde quem não concorda com algo precisa ser de esquerda, comunista – o que fez com que a Venezuela nos ajudasse com uma preciosa carga de oxigênio pra a qual não recebeu nem um “muito obrigado” – o mínimo que se aprende em casa, com seu pai e sua mãe pra ser minimamente educado na vida. Tantos doutoramentos para nenhuma educação prática... Haveria um pós doc em educação de casa? Por favor, obrigada, respeito... E falando nisso: A Dra Luana Araújo, dando show de educação daquelas que trazemos de casa, deixou a primeira luz sobre o que busca a ciência. Espero que os outros cientistas preservem a pequena luz que ela acendeu e somem outras luzes à dela. Sem disputas, sobretudo.
No 8 de junho de 2021, mais do que tudo, temos que parar de disputar a luz. A luz está em preservar o Brasil. Política, ambiental, socialmente – Lá longe está o Brasil – longe de seus princípios, seus habitantes nativos e não nativos, cativos e não cativos – porque quando a gente olha ao redor, o que vê são ainda algemas de ignorância, mas muitas chaves de esperança para abri-las todas – um dia. Os espíritos vivem pra sempre. Haverá punições, tenho certeza absoluta.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
A alegria das crianças e dos jovens de ficarem mais velhos um ano, com a alegria inocente de que isso é algo desejável e perfeito. Excelentes momentos de reflexão, para os adultos, o choque com a velocidade que a vida tem, o que falta fazer, o que se deseja ainda fazer. Os mais velhos, percebendo com muita clareza que o tempo se esgota, que já não dará para fazer algumas coisas, que é tempo de terminar outras coisas e a tristeza de perceber tarde demais o sentido da vida.
Quantas primaveras vamos viver? Quantas primaveras vamos realmente viver, como se fossem a primeira, a única, a importante? Aniversários parecem muitas vezes repetições, rituais vividos de forma automática, que devem apenas ser cumpridos, de acordo com as regras da sociedade. Você passa os dias de aniversário como deseja? Faz o que deseja? Está com quem deseja? Ou faz o que deve ser feito? Quantas primaveras vai fazer o que deve ser feito e depois se arrepender de não ter feito o que desejava?
Você aceita tanta coisa porque tem medo de ficar só, de se sentir só, de não ser lembrado...eu pergunto: qual é a alegria de ser lembrado como uma obrigação, apenas um compromisso que acontece? Algo que é preciso acontecer? Ou como um pretexto para estar com outras pessoas que interessam mais do que nós?
Precisamos medir nossos passos, mas saborear intensa e verdadeiramente o que decidimos fazer com a nossa vida. Para não chorar demasiado na velhice. Para partir leve.
Passar o aniversário servindo os convidados, gastando todas as economias, suando para ter todos felizes, é um enorme presente, se é o que você deseja. Se os convidados são amados por você e te amam. Se é uma celebração para todos. De outra forma, estar só, ou com poucos, é estar muito mais inteiro e feliz. É surpreendentemente paradisíaco, sereno, completo. Pode ter a surpresa de se encontrar, de se enfrentar, de ser feliz. Sem farsas, sem fotos de facebook, sem sorrisos amarelos, sem enfados, sem críticas, convidados indesejados. É o seu dia. O seu dia.
É, eu sei. Tudo isto que aqui escrevo é um exagero. Não acontece com ninguém. Que bom que todos passam um aniversário sensacional, sempre.
Acredito que um dos dias em que o ser humano começa a tomar as rédeas da sua vida e a aproveitar, a perceber a finitude e a importância de seguir seus pensamentos e desejos, é o dia do aniversário. E quebrando esse enguiço, muitos outros momentos e rituais se enfrentam e se resolvem e é possível ser um pouco mais feliz com a forma como se vive. Acredito que quanto mais cedo aprendemos a fazer isto, mais vida “verdadeira” teremos. Não é difícil. É só não adormecer na viagem.
Hora de soprar as velinhas do bolo. Feliz aniversário, sempre.
Ana Santos, professora, jornalista
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