- Mário Sousa, Portugal
Sentimentos de um Professor de Orientação e Mobilidade
Atualizado: 5 de fev. de 2020

Perguntaram-me o que sente um Professor de Orientação e Mobilidade (doravante designada OM) quando exerce a sua atividade! Questão difícil de responder pela diversidade de sentimentos e emoções que se sucedem durante todas as aulas.
Mas, antes de continuarmos, teremos de esclarecer que a disciplina de Orientação e Mobilidade procura que alunos com deficiência visual, cegos e visão reduzida, se orientem no espaço circundante e se desloquem no mesmo. Trata-se de ensinar um conjunto de técnicas e estratégias adequadas à especificidade de cada aluno para que este consiga autonomia na sua deslocação. É um ensino muito individualizado, em que cada aula é planeada para um aluno específico de acordo com as suas capacidades e limitações. Ou seja, uma abordagem pedagógica centrada nas características de cada aluno. Daí as aulas terem de ser individuais, com uma planificação temporal variável para cada aluno. Neste contexto, a relação pedagógica é crucial e o professor de OM tem de dominar as técnicas pedagógicas e relacionais com muito à vontade, para que, não só consiga estabelecer a empatia necessária com o aluno, como determinar quais as melhores estratégias a aplicar em cada situação.
As diferentes fases dum programa de OM requerem atividades próprias, desde o estudo das caraterísticas do aluno (a nível sensorial, motor e intelectual e psicológico), percurso do aluno, vida familiar, percurso escolar, …, o que permitirá estabelecer uma prática de ensino adequada e uma intervenção eficaz, especialmente com a maximização das capacidades dos sentidos, audição, olfato, tato e sensações cinestésicas[1].
Sabemos que os sentimentos podem influenciar a atenção, aprendizagem, memória e imaginação (Damásio 2017)[2], o que, a nível da OM é claramente uma constatação permanente. Os sentimentos e as emoções sucedem-se e muitas das vezes confundem-se. A fase inicial, mais protegida em termos de segurança, essencialmente no aprimoramento das capacidades sensoriais e motoras, assim como da aprendizagem das técnicas de orientação, proteção, deslocação com guia e mesmo as técnicas da utilização da bengala, é, normalmente tranquila, sem grandes medos, com algumas frustrações quando surgem insucessos e contrariedades, ou alegrias e satisfação quando aprendizagem é bem sucedida.
Trata-se duma fase do ensino importante, em que se vão criando os alicerces para que possa haver uma aprendizagem final que permita a deslocação autónoma do aluno com a utilização da bengala.
Creio que os sentimentos e emoções vão sofrer uma grande alteração quando passamos à fase da deslocação autónoma na rua. Só falarei da deslocação com bengala e não com cães guia, pois a minha prática só completou este tipo de ensino. Realce-se, contudo, que ninguém deverá utilizar um cão guia sem dominar a deslocação com bangala. Uma deslocação em interiores ou espaços conhecidos é uma situação que rapidamente se torna acessível. A perceção do meio envolvente é, a maioria das vezes, previsível. Contudo a ida para a rua, com o trânsito de pessoas, viaturas, obstáculos imprevistos, uma constante necessidade de estar alerta, cria medos, emoções fortes e a aprendizagem é, naturalmente, mais difícil. Sentimentos compartilhados pelo aluno e pelo professor. O receio de que algo corra mal é constante e muito desgastante. Toda esta mistura de sentimentos, quando surge as situações de sucesso na aprendizagem, tornam-se numa grande alegria e satisfação, direi mesmo, orgulho do trabalho bem feito! Por isso, começamos por referir, no início, existir uma diversidade de sentimentos e emoções que se sucedem!
Mário Sousa (2018/01/31)
[1] Duma forma simplificada, sensações obtidas através da pele e do corpo.
[2] Damásio, A. (2017). A estranha ordem das coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas: Círculo dos Leitores.