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2 Contos sobre Religião

Foto do escritor: portalbuglatinoportalbuglatino

Conto “UM VOTO DE FÉ”

A velha senhora olhou ao redor e viu o terreiro, fruto de sua vida de fé e dedicação, destruído. Tudo. Apertou levemente os olhos para que a lágrima que insistia em cair, ficasse dentro deles.


Seus filhos de santo precisavam de sua força mental e espiritual. Tinha que chamar a polícia, dar queixa daquilo. Mas em algum momento, ela tinha que falar com Xangô e pedir, clamar por justiça.


Os homens que tinham entrado, ela conhecia desde pequenos. Num dado momento, eles tinham se tornado um grupo que se autodenominava “Traficantes de Jesus”.


- E Jesus lá precisava de traficante, gente?


O que tinha virado o exercício da fé? Um lugar onde era aceitável ser bandido, se você colocasse ali o nome de Deus em vão. Uma vergonha. Deus era chamado como um nome de fantasia...


Aliás o que mais se vê, é o nome de Deus em vão. Lá no Senado mesmo, tinha uma excelência que vivia com ele na boca: Deus tá vendo... e daí mentia. Vá vendo, Brasil – e soltava mais uma. Agora, aquilo que ela via na TV e rezava pela mãe de santo, pra ela ter força, tinha acontecido com ela – e ela ia superar tudo, com a força do Orixá.


Andou pelo terreiro. Devastado. De repente, seus olhos foram atraídos para a mata e dentro de sua cabeça, veio a inspiração de seu pai: As folhas ficaram... o principal está aqui...


Ela levanta os olhos e bem na sua frente estava aquele pé de Iroko de “sei lá quantos anos”. A árvore sagrada que representa o tempo e a força da ancestralidade estava sem nenhum arranhão. Seu coração se aqueceu. No portão, lá estava a casa de Exu, também intacta.


- Exu, que você abra o nosso caminho de novo e quantas vezes forem necessárias! – Ela pensou.


...


Juntava ainda as ferramentas dos orixás quando um dos agressores ali voltou e pediu perdão. Foi influenciado por más companhias, disse, mas não conseguia parar de pensar em tantas festas de santo em que foi, ali mesmo, naquele lugar. Tinha voltado e queria pedir perdão e ajudar.


Ela poderia ter pensado na discriminação sofrida, na destruição. Poderia ter logo chamado a polícia pra entregar o rapaz. Mas... seu coração agradecia tanto a Xangô, que ela apenas o acolheu e juntos, continuaram limpando e arrumando tudo...


Do portão, Exu soprava: - Justiça...

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


Conto “A Resposta”

Quando era menina, Ana tinha de dizer ao padre todas as suas diabruras. E por conta disso, pagar a multa de dizer vários padres nossos e várias ave marias. E aí já começava o seu problema. O que são diabruras? O que era errado e certo? O que era preconceito? E porque tinha de contar a uma pessoa estranha aquilo que não contava aos pais, nem aos amigos? Aquilo não parecia fazer sentido para ela, mas se lhe tivessem explicado talvez fosse diferente.


Mais tarde, quando tinha exames na escola, sua mãe acendia uma vela. Ana não sabia se aquela vela era para que a matéria entrasse mais depressa na sua cabeça, se a vela fazia tudo e ela nem precisava de estudar, ou se era apenas um jeito que a mãe tinha de lidar com as preocupações. E essa vela aparecia, nos exames da faculdade, nos exames médicos, nas viagens pelo mundo, por causa da Ana ou por causa de qualquer pessoa que, no pensamento da mãe, precisava de apoio. Aquilo não parecia fazer sentido para ela, mas se lhe tivessem explicado talvez fosse diferente.


Um dia, foi visitar um lugar onde deitavam os corpos mortos no rio que consideravam mais sagrado. E nesse rio, nessas mesmas águas as pessoas tomavam banho, lavavam os alimentos. Um povo extremamente religioso. As vacas, que no lugar onde nasceu, eram para dar leite e comer a sua carne e, quem as tivesse, era rico, causou espanto nos seus pensamentos essa mesma vaca ser um animal sagrado nessa terra. Parecia que o mundo, de cada vez que ia a um local diferente, lhe virava a cabeça e os pensamentos de cabeça para baixo. Amava vacas mas considerar sagradas parecia-lhe esquisito. Tomar banho naquelas águas sagradas? Não lhe parecia. Aquilo não parecia fazer sentido para ela, mas se lhe tivessem explicado talvez fosse diferente.


Em outro momento foi conhecer um povo que sofreu os horríveis efeitos de bombas atômicas e, para sua enorme surpresa, era extremamente gentil, cordial, respeitador, sereno. Com todas as pessoas. Como aquilo era possível? Tinha um jeito de rezar e de cuidar de sua alma, espirito, seja o que for, de uma forma muito peculiar. Totalmente diferente. Tudo lhe parecia tão belo e tão possível mas seu jeito não se conseguia adaptar a algumas coisas. Aquilo não parecia fazer sentido para ela, mas se lhe tivessem explicado talvez fosse diferente.


Em outro país conheceu lugares onde as pessoas gritavam, davam ordens, pressionavam, faziam chorar, humilhavam, decidiam sobre a vida das pessoas. Isso a chocou e ela não queria de forma nenhuma. Nesse mesmo país, lugares onde existiam autênticas comunidades familiares onde o respeito e a dedicação eram impressionantes, mas com imensas regras para cumprir. Parecia-lhe demasiada obediência e rigor para seu jeito de ser. Aquilo não parecia fazer sentido para ela, mas se lhe tivessem explicado talvez fosse diferente.


Tudo para ela foi virando informação, curiosidade, aprendizagem. Mas seu jeito de ser não se adaptava a nenhuma forma. Sempre aparecia algo que não fazia sentido. Pensava, com pena, que poderia ter sido ensinada, desde menina, sobre todas as formas religiosas que existiam no mundo. Porque razão a escola não fez isso? Tinha sido muito importante saber e a partir daí, escolher a forma que fosse melhor para si, para a sua felicidade. Nada disso aconteceu e agora está desesperada. Quer pedir ajuda mas não tem ninguém humano a quem possa pedir o que precisa. Como se dirige a essa divindade que todos dizem que existe e que cada um chama de uma forma diferente? Pela vela da mãe? Pelo banho no rio? Pela forma tranquila? Através de vários pais nossos? Gritar com as pessoas? Estar em comunidade fazendo rituais? Para os outros funciona. Mas e para ela? Quando vai encontrar o seu jeito? Onde ela encontra isso? Como? Quando? É que cada vez tem mais coisas para pedir...

Ana Santos, professora, jornalista

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