Conto “SHOW DE HORRORES NA OLIMPÍADA“
Ao perceber que as mulheres do Brasil tinham sido as grandes campeãs e que os homens “solaram”, percebi que nos debates políticos, o assunto, ao invés de olimpíada, centros de treinamento nas periferias, caçadores de talentos procurando crianças nas comunidades para as colocarem em ação com professores, especialistas, atletas medalhados, técnicos nacionais e internacionais, torneios e novas gerações maravilhosas, tivemos ofensas, palavrões, xingamentos e acusações. Ladrão pra um lado, escândalo para outro, bandido, bandidagem, cabeçada – cada contribuição masculina foi pior que cólica com TPM e enxaqueca.
- Nada é pior do que isso!
Ainda por cima, aqueles caras – milhares de homens, seus herdeiros, filhos, netos e bisnetos lucrando em cima da carcaça do povo – não precisavam nem se esforçar para ganharem nosso voto porque – pasmem – o voto no Brasil é obrigatório.
- O pessoal passa a eleição como se fosse herança... vai sempre de pai pra filho, repare bem. Por isso que tem cada vez menos lugar pra mulher... porque sobra lugar pro filhote, sobrinho, neto... e preferencialmente homem, pra ninguém perceber que só colocaram banheiro feminino no Senado há 8 anos. É mole? Mulher tinha que fazer xixi “na lata” ou atras dos carros... oficiais, claro... Tudo muito chique e absurdo...
- Mas bastou dar um espacinho e apareceram Rebeca, Bia, Ana Marcela, Fadinha, Victoria, Patrícia e Duda e muitas mais – já quase adotei a Simone Biles, de tão mega legal que ela é!
Mas os homens de Brasília ficariam fácil com o troféu “salto alto” e a indisciplina de sempre do futebol masculino – que de tanta máscara, canelas de vidro e drama no gramado, ficaram mesmo em casa, vendo tudo pela TV...
- Que vergonha, hein Brasília?
De olhos pregados nas mulheres, de vez em quando cantarolava:
- Esse ano tem eleição, esse ano tem eleição e pra mim, sem enrolação...
- Podem se xingar à vontade porque sem proposta, sem compromisso, mesmo com show de horrores nos debates, o meu voto, a minha arma secreta, a minha bomba atômica, vocês não vão ver... E votar em parente de político, só se eu estiver doente, louca, enferma, ruim da cabeça e doente do pé, podem crer...
- Agora “bora” pro futebol, mulherada!
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Conto “Ouro Olímpico”
Ao assistir, todos os dias, a Olimpíada, começou a imaginar os seus amigos extraordinários, ali, nas competições – vencendo, sendo aplaudidos, ficando famosos, recebendo as medalhas, ouvindo os hinos.
Aquela senhora que caminhava todos os dias, 20 km, de sua casa até ao local onde comprava o peixe que depois ia comercializar. Pensa que é só isso? Ela depois ainda ia de porta em porta, entregando as encomendas de peixe que as clientes habituais tinham feito. Não sabia ler nem escrever, mas fazia contas de cabeça como ninguém, além de uma memória gigante. No final do dia, mais 20 km, de volta para casa. Cadê o ouro olímpico?
Aquela querida amiga, cozinheira de eventos de mais de 100 pessoas, preparando as comidas numa cozinha minúscula. O que é aquilo? Você consegue imaginar alguém, que faz as entradas, os pratos principais, as sobremesas, considerando as pessoas que preferem peixe, ou preferem carne, ou ainda, preferem comida vegan ou vegetariana. Noites sem dormir, calma no meio de tanto stress. Vejam, a comida dela é sensacional, toda, qualquer coisinha é deliciosa. Tem colaboradores, alguns, pessoas difíceis ou de vidas difíceis, que ela trata como filhos e dessa forma lhes dá a possibilidade de ter uma renda numa atividade boa. Acontecem milagres naquela cozinha, acreditem, e, acontecem milagres dentro da gente quando comemos suas comidas. Cadê o ouro olímpico?
E que dizer, de um pintor de casas que surgiu nas nossas vidas? Disponível para fazer tudo, com ideias ótimas para rentabilizar a casa, gentileza em toneladas, um trabalhador incrível, sempre com um sorriso na cara e uma energia inesgotável. Um achado, um milagre, uma pessoa que está virando um amigo, para além de um ser humano que transformou a nossa casa em menos de um mês. Fez, em menos de um mês o que outros levariam um ano ou dois. Inacreditável! Cadê o ouro olímpico?
Estes e muitos mais, todos merecendo ouros e ouros e ouros.
E ela? Será que também merecia? Tinha conseguido acordar, levantar da cama, tomar o café da manhã e passou o dia todo a trabalhar. Será? Mas toda a gente trabalha e faz aquelas coisas todas, também. Humm, assim não vai dar. Precisa pensar em algo espetacular que faz. Humm, não se lembra assim de nada em especial. Esforça-se por pensar melhor. Já sabe, é boa a passar a ferro. Ninguém passa a ferro como ela – na verdade nem passa, dobra a roupa sem passar, por isso é tão rápida. Mas ninguém precisa saber essa parte. E aí universo? – pensa. Cadê meu ouro olímpico?
Ana Santos, professora, jornalista
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