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2 Contos: “PRAGMATISMO ARTÍSTICO" e “Delação, que solução...”


Yêdamaria

Conto “PRAGMATISMO ARTÍSTICO"

Ela não via nenhum problema nas palavras investimento, lucro e rentabilidade. Ao contrário: adorava-as.  Apenas acreditava piamente que esses nomes também poderiam combinar com bem estar e contribuição social.

Ela falou e repetiu tantas vezes, pra tantas pessoas que era possível lucrar e ajudar ao mesmo tempo... Mas engraçado; naquele momento, ela não viu a separação normalmente abissal entre os que veem o lucro e os que querem contribuir com a sociedade. Não viu a separação entre empresariado e artistas, empreendedorismo e cultura, que tantas pessoas, em tantos discursos tentaram meter-lhe na cabeça.

Portanto, de alguma forma, empresários, naquele instante, ocuparam o mesmo lugar que os artistas para conversarem sobre soluções – e isso sim lhe parecia um espaço de convivência que um segmento social qualquer tentava evitar a todo custo.

Quadros, poesias, fotos e filmes poderiam preencher espaços com mais leveza, além de manterem a informação em alta, ao transformá-la em entretenimento para pessoas mais felizes e bem informadas, ligadas na vida - porque beleza agrega felicidade.

Quando ela fez o Reel falando sobre como era inadmissível parar de falar e apenas explodir de raiva, pedindo que as pessoas se perguntassem se sentiam essa tensão, ficou espantada com a quantidade de pequenas mensagens, falando que elas sentiam, tentavam controlar o impulso e que jamais teriam pensado que colocar em palavras aliviaria a carga.

- Já pensou aumentar essa dimensão? Já pensou discutir esse problema entre alunos? Entre funcionários de uma grande empresa? Já pensou unir a feitura, a escrita de conteúdos especializados visando abordar problemas reais, abrindo a porta para a discussão de temas, mostrando poesias, quadros fotos, tudo combinado e fazendo pensar? De gerar comentários, diálogos? Já pensou você ir ao cinema para ver o filme, ao invés de ir para fotografar seu super mega copo de pipoca e colocar nas redes? Já pensou não precisar sentir esse vulcão de irritação, só porque você achou que a bilheteira tem que sair de onde está para levar sua pipoca no meio da sessão? Já pensou ser polícia e aprender a se controlar quando um rapaz der um tapa no espelho do carro da polícia? Já pensou não ter que revidar um tapa no espelho com um tiro mortal? Ou falar de bullying? Talvez desmistificá-lo, aniquilá-lo das escolas?

Conseguir apontar para os desvios da vida – que são inevitáveis – mas vê-los como provas onde nos importa resolver da melhor forma. Apontar soluções, metáforas novas – que nunca pensamos poderem advir, nascer, nessa associação inesperada e direta entre artista e empresário. Seus olhos tentavam mensurar – era quase inimaginável.

- Um cientista mexicano disse que a vida era como um game - um único e igual game – para todos. O que diferenciava uma vida da outra era a fase em que nós nascíamos naquele mesmo game – e isso lhe fez tanto sentido, que lhe pareceu único. E lhe pareceu único porque foi posto em palavras – benditas palavras. E assim entendeu que sua vida certamente estava e tinha sido sempre numa fase mais fácil que a dos meninos da Palestina, mas que certamente teve momentos onde esses testes e experimentos a colocaram em fases mais difíceis. Isso precisava ser repassado entre nós todos porque cidadania é coletivo razoável e falar de experiências de vida aproximava o mundo – e suas soluções - das pessoas.

Seria possível construir canais assim? Seria possível abrir portas pragmaticamente sensíveis, filosoficamente lógicas, racionalmente emocionantes? Sorriu. Suspirou.

- Quem sabe? Quem sabe?

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV

 

Conto “Delação, que solução...”

Será que é desta? – pensa Ana. E nós pensamos junto com ela: - Será que é?

Ana é muito mentirosa. Mais do que podemos imaginar. A família fez com ela o que se faz noutros lugares – delação premiada. De cada vez que Ana fala a verdade da mentira que tinha construído, tem direito a algo que gosta. Desde que começou a falar, bem pequerrucha, que existe esse procedimento de sobrevivência familiar. Mas dizem os Deuses que não adianta nada. A família acha que está fazendo uma “grande” coisa, Ana se submete, coloca sua carinha de “desculpem foi mal” mas continua fazendo o mesmo. Permanece no mundo imaginário dela onde faz o que quer com todos em sua volta. Nem entende o efeito que isso tem nas pessoas. Apenas ama mentir, acha que é um talento seu e vai crescendo e vivendo assim. A família sofre imenso por causa disso, mas escondem esse sofrimento – sofrimento que os come por dentro, que os afasta, os divide, mas que não expõem, não enfrentam, não resolvem. Sobre o lema de que quem precisa aguentar com os problemas são eles todos e de que quem tem de ser sempre perdoada é a Ana, lá vão cavando o buraco cada vez mais fundo. Buraco onde, quem sabe um dia, todos vão cair.

Acontece que Ana ficou doente, o médico está na sua frente lhe explicando a situação. Situação difícil e final, câncer com metástases em vários órgãos, pouco tempo de vida. O médico explica tudo carinhosamente, gentilmente, com o máximo de compaixão.

- Ana, aproveite para resolver o que acha que precisa resolver, para viver o que dá para viver, enquanto a vida não lhe é retirada. Faça as pazes com quem você é, com o que errou, com alguma coisa mais maldosa que possa ter feito a alguém. É assim Ana, para todos chega o dia, o momento, muitas vezes mais cedo do que era esperado. E está tudo bem. Penso que o que fazemos aqui, o que conseguimos fazer, era o que era para fazer. Nada mais do que isso e pronto. Resolvido. Agora vá. Se precisar voltar aqui, venha em qualquer momento. Lhe explico tudo de novo, a ajudo no que puder. Vá, continue o que é para acontecer na sua vida. Vá em paz...

- Ah, tá. Doutor, só mais uma coisinha. Se eu fizer como minha mãe me fez sempre, se eu lhe der a possibilidade de uma delação premiada, o senhor aceita dizer-me a verdadeira verdade? E me dizer que estou bem, que tudo o que falou é mentira?

Não desta vez, pensamos todos. O que pensa Ana?

Ana Santos, professora, jornalista

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