Conto “TERROR À BRASILEIRA”
Há anos atrás, na época de Barack, Presidente, a chegada da captura, morte e a decisão de jogar o corpo ao mar, me pareceu estranha: ao invés de “esfregar” e entregar o terrorista às Torres Gêmeas. Barack tinha decidido sumir com a sombra entre a América e o Oriente Médio.
2023, janeiro, dia 08. Domingo comum, mortiço como todos. Já tinha se acostumado à volta da calma – coisa boa a gente pega sem perguntas, pensava. Nada de ameaças, xingamentos, grossura, comportamentos tóxicos. Ela nem se lembrava mais daquele homem. Nem se lembrava mais do abuso, do assédio, da preocupação e do medo.
- Como uma medida protetiva que deu certo!
Mas, naquele domingo, depois de uma semana de idílio consigo mesma, chorando ao ver suas companheiras discursando na TV, aquilo de novo. Nada de Marina, nada de Simone. Ele, de novo.
O machismo caminhando pelas ruas. Aqueles homens toscos, sórdidos, criminosos. Tudo filmado, ao vivo. Seus olhos se quedaram paralisados na frente da tela do PC. E por ali viu-se a destruição da nossa casa. Parecendo animais, num estouro de manada, tudo foi destruído, depredado. Homens toscos, com xingamentos toscos, palavras toscas e sem saberem escrever. Machos como todos os machos. Idiotas desprezíveis.
- Quem comanda esse bando de primitivos?
Não estava ali, como todo o cérebro do mal. Estava oculto nas sombras.
O que ela via era o terror em ação. E quem o havia permitido, era a organização do terror. Vias abertas, portas abertas, salas abertas. Seu coração voltou à boca. A cabeça, pressurizada dentro de tantos pensamentos desencontrados: eles vão conseguir? Não há nada que possa nos salvar? Onde está a polícia? Cadê o Batalhão? Cadê o spray de pimenta, bomba de efeito moral, os cavalos?
Desolação.
No fim do dia, quando os bandidos finalmente foram presos, algemados e caminhavam, em fila indiana, entrando nos ônibus, as notícias do governo a aliviaram – o presidente queria ver tudo, tintim por tintim. No meio da violência das cenas, ela viu seu País inteiro, olhando como ela. Nada de “pistoleiros de alguém, milicianos ou invasores”. Havia ali um povo e seu líder. Arrasados. Mas dignos, cada vez mais dignos, cada vez mais sólidos em sua dignidade de atacados. Se via em seus olhares. A piada do Ministro: "Perdel" com L é de lascar! O olhar profundo do líder do governo: Este, será marcado como o dia da infâmia.
- Deveria virar feriado, Líder! Foi o dia em que, à despeito de tudo o que deu errado, a democracia venceu.
Seus olhos secaram, sem que ela percebesse que tinha chorado, antes. Estava orgulhosa, afinal. Os velhos militares tiraram suas ceroulas por nada, dessa vez. Olhou para o abusador. Claro que ele havia fugido e abandonado todos à própria sorte. De novo.
- Pra quem já tinha abandonado 700 mil à própria sorte, é bem pouco...
Todos se uniram. Ficaram os “pobres amarelos toscos”, presos com aquela camisa que ela tinha aprendido a desprezar profundamente.
- Sem trégua e sem perdão, lamento. Só justiça mesmo. E podem acreditar que, muitas vezes, a vida real dói muito mais.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Conto “Só pedir?”
Senhor? Estou aqui ajoelhada para lhe pedir conselhos, apoio. Eu sei que o Senhor não me responde, mas me dê algum sinal alguma pista por favor. Tenho um filho que me preocupa muito. Tem 10 anos, só faz besteiras e fica muitas vezes com um olhar de maldade que me aterroriza. Quando sofro, ri, mas quando ele tem uma feridinha, parece que vai morrer. Por favor me ajude, me dê um caminho.
(anos se passaram)
Senhor, aqui estou de novo, de joelhos. Tudo piorou. Preciso demais da sua ajuda, dos seus conselhos. O Senhor tem me ajudado muito mas aquela criança virou um adulto terrível de 20 anos. Ambicioso, cego, obcecado por dinheiro e poder. Não sente empatia por ninguém. Namora com meninas mas eu vejo que ele não sente nada por elas e elas também não lhe acham especial. Acho muitas vezes que ele nem percebe que elas se aproveitam dele. Não percebe porque só gosta de estar no meio dos homens falando besteira e fazendo pior ainda. Meu Deus, será possível que eu tenha gerado um ser humano assim?
(anos se passaram)
Senhor, eu de novo. De joelhos, de novo. Anos se passaram e esta criatura, este cidadão, se tornou numa ameaça ao mundo. O que devo fazer? Trata mal as mulheres, as crianças, o povo, mentiroso, manipulador, maldoso. Tenho a sensação assustadora que é assassino, genocida, criminoso, ladrão, traidor e milhões de outros horrores. Continua medroso com as suas dores, insensível com as dores dos outros. Eu que desejei ter um filho como Cristo, terei gerado alguém inverso? Terei entendido mal as tuas mensagens? Terei lido mal as instruções para educar um ser humano? Onde errei Senhor? O que devo fazer?
Neste instante, uma sabiá fez um cócó do lado dela. Dentro estava um papel. A Sabiá pegou no papel com o bico e abriu o papel. Dava para ler a seguinte mensagem: “Tu e todos os teus pedem há anos para eu perdoar e eu tenho tentado. Mas têm chegado ao Céu demasiadas pessoas por causa dele. No início da pandemia Covid19 foi demais. Lamentável. Chega. Me desculpe mas está na hora de pagar. Chega de perdoar. E uma última coisa....você passa a vida a pedir...e que tal começar a ajudar, a dar, a ser gentil?”
Ana Santos, professora, jornalista
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