top of page
Buscar

2 Contos: “CONSTRUIR E AGRADECER?” e “Racistas não passarão”

Foto do escritor: portalbuglatinoportalbuglatino

Emily Kame Kngwarreye (1910-1996)

Conto “CONSTRUIR E AGRADECER?”

Para muitos poderia ser complexo, mas ali, na frente de Jailton – seu pintor/consertador de tudo o que existe e está em casa - ela não teve dúvidas:

- Amigo, pra mim são dois tipos de pessoas: as de construção e as que pegam carona na vida dos outros.

- Mas como assim, D. Ana?

- Existem pessoas que contribuem com o mundo, não importa o que façam. Elas se importam, somam, são generosas e gentis. O que separa um pedaço do outro vai desde o “quer ajuda pra atravessar”, até a pegar numa vassoura e ajudar a limpar uma coisa, independentemente da profissão da pessoa. Há um interesse verdadeiro em fazer parte da vida.

E continuou:

- E tem aqueles que “azedam” qualquer convivência! Uma vez, eu estava numa pizzaria e um cara, quando chegou a conta, mandou essa:

- Ah, vamos pedir uma conta diferente pra cada um porque eu comi menos uma fatia de pizza e não tomei refrigerante.

Eu não perdi a viagem: “Ótima ideia! Vamos mesmo rever a conta porque eu não bebo álcool e sempre dividi a cerveja que vocês bebem, sem reclamar. A partir de hoje não pago mais! Só a minha Coca”!

- Mas que mesquinharia é essa, D. Ana? E falando em mesquinharia: E quando convidam a gente pra aniversário em barzinho, sem dizer que a conta vai ser dividida? Mas, rapaz, é uma raiva...

E assim, de papo em papo, um furacão de serviços bem feitos refaz tudo o que foi abandonado desde a pandemia... como se boa vontade realmente fosse uma coisa simples de se achar na vida, como se as pessoas da Bahia, do Brasil, não estivessem se fechando em si mesmas para fugirem de brigas inacreditáveis sobre política, sociedade, preconceito. Como se todos nós não estivéssemos vivos, juntos e iguais até aquele momento – mas que essa é nossa única certeza porque não há nada que seja tão imediato e ocasional quanto a vida.

- Porque pra morrer, basta estar vivo... pensou ela.

Lembrou da peça onde, em um segundo, a jornalista perdeu o marido e, em seguida, a filha.

Ali entre os dois, portanto, não havia problemas insolúveis, mas sim, ainda não pensados. Dessa forma, um borrão de tinta vira arte na parede, uma conversa, acaba em mudança de planos, enxerto de mais uma parede na obra ou uma infiltração descoberta há tempo.

- Agradecer pela vida é pouco...

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV

 

Conto “Racistas não passarão”

Estou cansada. Muito cansada. O tempo regulamentar terminou e o árbitro avisou que teremos mais 15 minutos de tempo extra. Eu já imaginava algo assim. Estamos a ganhar e eles não aceitam. Não só não aceitam perder, não aceitam perder contra o nosso time e tudo farão para conseguir vencer. É isso, estou muito cansada e o “verdadeiro jogo” começou agora. Preciso aguentar, preciso conseguir continuar a lutar. Recordo memórias de criança no meio deste caos. Marcamos mais um gol, limpo e lindo, mas como eles têm sempre algum jogador deles a queixar-se e a rebolar na grama quando conseguimos vantagem, o árbitro e o Var pararam o jogo. Pois é, anularam o golo. Acredite se quiser. Nossa, isto vai ser pior do que eu esperava. E o cansaço que não me deixa, que está me dando medo de errar. E não existe escolha – é ganhar ou ganhar. Estes caras não merecem vencer. Jogam muito bem, são talentosos, mas também são racistas, xenófobos, transfóbicos, sem moral. Não posso permitir que vençam. Vejo nos olhos dos meus colegas de time o cansaço, mas também a enorme vontade de vencer esta gente que não aprende, que não pensa nas outras pessoas, que tem tamanho desrespeito pelos outros povos e atletas. Opa, consegui evitar mais um gol deles. Ui, como foi bom conseguir tirar a bola do cara e fazer um passe espetacular para o meu colega de time. Humm, quase era gol de novo para a gente. Mesmo assim eles estão tendo oportunidades – a bola vai na trave, vai no poste, vai ao lado. Quer saber? Os Deuses acordaram hoje e vieram nos proteger, eu acho. Porque muita coisa sem sentido estava nos guiando para a derrota de sempre, para a vitória dos que pressionam e intimidam e são deselegantes. O árbitro apitou para terminar o jogo. Conseguimos. Conseguimos. Conseguimos. Nossa, como é bom vencer aos que não estão certos nos seus comportamentos, cânticos, opiniões. Como é bom. A busca da justiça me fez resistir apesar do cansaço. A justiça precisa acontecer, apesar do cansaço. Não vou mais dar atenção ao cansaço, quando a justiça está em causa. Vitória memorável.

Ana Santos, professora, jornalista

 
 
 

Comments


ESPERAMOS SEU CONTATO

+55 71 99960-2226

+55 71 99163-2226

portalbuglatino@gmail.com

  • Facebook - White Circle
  • YouTube - White Circle
  • Tumblr - White Circle
  • Instagram - White Circle

Seus detalhes foram enviados com sucesso!

bottom of page