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2 Contos: “COMO COLOCAR ATRÁS DAS GRADES UM JOGADOR PODRE DE RICO” e “Acreditaram em mim...”

  • Foto do escritor: portalbuglatino
    portalbuglatino
  • 24 de fev. de 2024
  • 5 min de leitura

Chiachio & Giannone

Conto “COMO COLOCAR ATRÁS DAS GRADES UM JOGADOR PODRE DE RICO”

- Preso! Presinho!

Ela vibrava por dentro. Para o Brasil era um marco: jogador de futebol, podre de rico, preso, julgado, condenado e já cumprindo pena – no xadrez. Agora.

Claro que não era uma coisa perfeita, principalmente porque no Brasil, não tinha homem “com aquilo roxo”, como dizia o ex presidente Collor, pra ter a coragem de criar uma armadilha e pegar um estuprador rico e famoso como ele. Mas a Espanha tinha. E claro também que o “aquilo roxo” era coisa de mulher, da advogada de defesa do caso.

- Nosso “aquilo” é virtual, ok? – dizia às gargalhadas.

Sua tia benzeu-se. Afinal, uma mulher que dizia aquelas coisas nunca ia sair de casa, ter família. Ela a olhou bem e quase enterneceu-se. Como explicar que em 50 anos elas haviam saído da importância da virgindade para a discussão em torno da desobjetificação da mulher? Por isso, continuou falando suas pequenas maldades. O mundo estava tão complicado que não se resolvia mais num sinal da cruz. Quem dera...

Prosseguiu, então:

- E o “aquilo” dos homens machistas, aqueles que só defendem e justificam quaisquer barbaridades, “tem problemas de ereção”.

A tia arregalava os olhos e suspirava.

- Estamos em guerra contra isso, tia. Os homens precisam aprender que eles não podem mais dizer que “pegaram” uma mulher, traçaram, comeram. Isso é bárbaro, imperdoável. Quanto os meninos pequenos sofrem na criação que têm, pra mente deles se desfigurar ao ponto de olharem pra uma mulher e nos verem como algo “comível”? Somos pessoas, tia!

- Pois esse jogador caiu, ta preso. Agora, quando ele pensar em estupro, em ser o “comedor insaciável de mulheres” vai morrer por dentro. Deveria perder “a coisa comedora de mulheres”, mas ficar preso é um bom começo. Quem sabe a tal “coisa quebra”?

A tia persignou-se e de novo e de novo.

- Uma pessoa que não se dá ao respeito, tia! Fico me perguntando o que sentem os homens que são capazes de fazerem o mesmo e que traem à vontade, perseguem outras mulheres, as assediam. Gostaria que sentissem vergonha, que percebessem o mal, o trauma que causam, mas isso está além da deformação mental que trazem. Portanto, medo – pânico - já está bom.

A tia persignou-se e de novo e de novo.

- Mas tia, pare de se benzer que eles não merecem nada além do que passaram a ter depois dessa sentença. Esse cara merece cada dia em que esteve preso e vai merecer cada arrependimento, cada dia em que sonhará com o sol, os barcos e iates e verá grades, cela, privada e paredes.

A tia foi-se acalmando conforme ela falava. Perguntava muita coisa, tirava dúvidas. Acabar com o machismo estrutural espalhado em cada casa, em cada pessoa, seria tarefa árdua, de décadas, mas ela não se importava de morrer semeando o futuro.

- Bilau virtual, filha?

E riam, às gargalhadas. Pobres homens...

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV

 

Conto “Acreditaram em mim...”

- Acreditaram em mim, acreditaram em mim...

Aquela mulher chorava e ria, com os olhos arregalados de espanto, em choque e ao mesmo tempo aliviada. Tudo misturado, tudo embolado na sua cabeça. 13 meses tentando provar ao mundo que tinha sido estuprada. Não bastava a situação horrível, ainda ter de dizer e convencer o mundo e a justiça do que acontecera. Sabendo que como tinha sido estuprada por alguém muito famoso, talvez não conseguisse que o mundo aceitasse a verdade. Mas acontecia. Um famoso esteve preso aguardando julgamento e tinha sido acusado. Uma pena pequena dada a monstruosidade da ação, mas era a primeira vez que algo assim sucedia e só por esse fato essa mulher ficou muito feliz. Feliz porque acreditaram nela. Como é bom quando acreditam em nós. Como é bom quando se consegue ter razão, ao nível da justiça e da sociedade. Como é bom, depois de tanta estratégia, tanta desculpa, tanta versão, tanta manipulação, mesmo assim, um cara desses ser acusado. Como é bom sentir que a justiça verdadeira pode acontecer, nem que por vezes, pode acontecer.

Quantas pessoas esse cara deve ter contactado? Pedido ajuda? Em busca de trocas de favores? Pressionado? Escolher mulheres para o defender? Controlar o que as pessoas em sua volta deveriam fazer, dizer, se comportar? Em entrevistas em anos anteriores, ele mesmo afirmava que tinha uma lista de contatos invejável. Ele mesmo afirmava que não era pessoa para ficar por baixo e que a ele ninguém mandava ou humilhava. Que sempre se preparava para muito mais do que lhe pediam, que dava sempre mais do que esperavam dele, que nunca cumpria abaixo do que se comprometia. O seu currículo esportivo diz isso mesmo. Agora não é esporte, é a vida a sério. Provável alguém que sempre soube trilhar um caminho inesperado, saiba trilhar de novo – muito mais se for para evitar uma pena de prisão e a humilhação moral e social. Aquilo que nos perguntamos se foi a primeira vez que fez, mas que desta vez, mudanças civilizacionais e legais o surpreenderam. Por isso, este resultado a deixa feliz, apesar de não completamente justo. Vai recorrer, apesar de estar exausta, apesar da sua vida ter mudado por completo, mas na vida em algumas coisas não tem volta. Não pode esquecer o que sucedeu, não pode fazer de conta e seguir. Não lhe é humanamente possível. Pensava-se só, mas foi percebendo que talvez outras mulheres se sintam incluídas, cuidadas, defendidas. Fez tudo isto por si, pela justiça, para se respeitar de novo, mas também por todas as que não puderam fazê-lo. Por todas as que ainda hoje são consideradas mulheres programa, mulheres que queriam fama e dinheiro – quem sabe fazer um filho com um famoso e resolver a vida. Lembra das que nunca vamos saber porque morreram, desapareceram, se calaram, mudaram, adoeceram. Lembra de uma mulher que lhe contaram que foi comida por cachorros por ter insistido na pensão para o filho que ela afirmava que era de um esportista famoso. Lembra das que foram pagas para calar, das que calaram para não serem “evaporadas” ou humilhadas socialmente. Lembra de tantas, tantas, tantas, que a dor aumenta dentro de si ao mesmo tempo que tem esperança que algumas se sintam incluídas no que aconteceu com ela.

Talvez ela venha a dedicar-se a estas causas no futuro. Disponibilizar um contacto de email ou telefônico para as mulheres poderem desabafar, pedir ajuda. Para se unirem, para se avisarem dos cuidados. E se tiverem a infelicidade de viver uma situação semelhante, que cuidados ter, como fazer, a quem pedir ajuda? Sempre sabendo que eles mentem facilmente, criam um ambiente que os protege, controlam algumas redes sociais, jornais e televisões, buscam proteção nas mães, nas mulheres enganadas, nos familiares lorpas, nos amigos parecidos, nas listas de contatos.

- Acreditaram em mim e isso me fez bem. Isso me fez ter esperança. Recuperei energia de novo.

Essa super mulher lhe deu coragem. Foi ao computador, entrou no seu Facebook, no Messenger e finalmente fez o que há muito queria fazer. Deixou uma mensagem direta e clara para aquele homem que todos os dias tentava seduzi-la por mensagens, mesmo depois de lhe dizer que nem o conhecia, que era casada e que não desejava continuar nenhuma conversa com ele.

- Senhor X, é o seguinte: ou o senhor pára de me enviar mensagens ou eu faço queixa.

- Mas eu estou a fazer-lhe algum mal? Só escrevo mensagens carinhosas e respeitadoras.

- Senhor X, não venha com essas desculpas. Eu não o conheço, não o quero conhecer e não temos intimidade para esse tipo de diálogo. Além disso e mais importante, eu não quero conversar consigo e portanto vai parar de me enviar mensagens. Se não parar, terei de o cancelar e se mesmo assim me continuar a incomodar, farei queixa na polícia. Passe bem.

“Quero acreditar em mim”, pensou. E ninguém sem escrúpulos me vai impedir.

Ana Santos, professora, jornalista

 
 
 

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