Valter Hugo Mãe, mas podia ser apenas Mãe porque um encontro com ele, uma conversa com ele é muito diferente do que se pode imaginar. Poderia mesmo ser vista como uma conversa de mãe, com uma precisão e bom senso que a minha nunca teve palavras suficientes pra exprimir. Mas que ela ainda tem ou tinha ou não sou capaz de dizer ainda que ela teve e não tem mais como eu gostaria de ouvir.
Há um silêncio antes de cada resposta. Pequeno. E depois a correnteza de palavras à portuguesa – engraçado como temos mais palavras no nosso português brasileiro, mas os portugueses descrevem o antes, o durante e também o depois. Palavras!
Um escritor como Valter Hugo as usa com precisão, mas vai passeando por/com elas sem pressa – ora apontando o que é o poder e que papel nos cabe quando nos vemos diante de uma guerra construída para o alimentar, ora apontando um mundo onde ainda é possível rezar para obter milagres. Um escritor.
Ver pessoas falando coisas sem importância talvez para treinar a ação de falar coisas importantes – mas com ele, porque era ele - foi também um dos meus exercícios favoritos – o de ouvir.
Depoimentos acerca da importância de cada livro, cada mensagem – torvelinho de milhares de exclamações, uma chuva de “por causa de você”.
Talvez a temperatura perfeita, o ventinho constante, a generosidade de Sálvio Dourado em dar toda luz possível à Valter para deleitar seus fãs brasileiros tenham criado um ambiente tão calmo e luminoso à esta noite. Mas talvez tenha sido a personalidade de Valter Hugo, a delicadeza com que se debruça sobre todos e os ouve e deles se alimenta para os re/criar em alguma personagem, que tenha gerado o clima que reinou na Biblioteca Central – sempre um palco especial na cultura da cidade.
Uma noite com as letras e luzes de Valter Hugo. Mãe – um nome de luz, certamente.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Pensar que ainda existem no mundo pessoas que não sabem ler, é muito triste. Que não podem ler os livros de Valter Hugo Mãe ou de outro escritor. Mas talvez seja ainda mais triste quando as pessoas sabem ler e não praticam, não aproveitam, não enriquecem, não viajam, não conhecem outros mundos, não se desenvolvem, com os livros.
O BUG Latino agradece à Biblioteca Central do Estado da Bahia, em Salvador, por ter realizado um evento tão simples e tão rico como o “Conversando com Valter Hugo Mãe”, no dia 10 de outubro de 2018.
Sinto muito orgulho por ser portuguesa. Acho que é normal. Todos sentem orgulho das suas raízes. Isso é bom. Mas, viver no Brasil, no estado da Bahia, perceber o que os portugueses levaram, deixaram, fizeram de menos bom, me deixa muitas vezes triste, emocionada, envergonhada. É impressionante a dor que deixaram, as mágoas, as feridas abertas que andam no meio de nós. Pessoas que falam que a sua avó tinha o número de escrava no corpo e que nunca mais esquecem. Essas senhoras que quando lhes disseram que a escravatura tinha terminado, não acreditaram. Todos os lugares da cidade de Salvador, da Bahia, do Brasil, têm alguma história, alguma marca e muita dor e sofrimento. Sinto muita vontade de ajudar a apaziguar esta dor. Tento fazer isso todos os dias. Nem sempre consigo. Não sei como pedir desculpa, como dizer que lamento tanto, mas tanto...dizer que muitas coisas muito erradas foram feitas, aconteceram e que muito tempo levará para amaciar essa dor, mas que podem contar comigo e com todos os portugueses que têm sentimento e vergonha na cara.
E eis que um dos escritores portugueses que mais amor tem pelo Brasil e pelos brasileiros, vem mais uma vez a Salvador e senta com o escritor Saulo Dourado, no Quadrilátero da Biblioteca. Espaço maravilhoso para um momento maravilhoso. O escritor Valter Hugo Mãe é muito respeitado em Portugal e em muitos países do mundo, particularmente no Brasil. Mas poder assistir a essa admiração, respeito e adoração...é impressionante. As pessoas demoram imenso a concretizar as perguntas que querem fazer porque querem ficar falando com o escritor. Muito frequente comentários como “ai meu deus que não sei se vou conseguir falar”...”você não sabe como os seus livros são importantes na minha vida”...”eu casava com você já hoje”...”os seus livros ajudaram muito a minha vida”, etc, etc, etc. As distâncias são respeitadas até ao momento que a conversa termina e se forma uma fila enorme para autógrafos, fotos, algumas palavras, um sorriso. E o escritor, fica horas assinando, respondendo, sempre sorrindo, sempre educado, sempre disponível. Incrível.
Já tinha estado numa quinta de leitura no Teatro Campo Alegre, no Porto, há uns anos atrás, para assistir a uma conversa deste tipo, com o escritor. Esgotou super rápido como habitual e nesse dia, adorei ouvi-lo ler. Lê muito bem e nos faz viajar no tempo. Foi só isso que me faltou porque é educado, extremamente doce, intenso, ponderado, honesto, sincero e fala de muitas experiências que sucederam na sua vida e que nos ajudam como exemplo, como referência. Para além de ser um excelente escritor, é um ser humano muito encantador e especial. Quando voltará a Salvador? Espero que em breve.
Muito grata
Ana Santos, professora e jornalista