Não consigo ver mil gerações lotarem a Concha sem sentir a melancolia da falta de novos intérpretes incríveis desta geração. E ver Milton foi... mil coisas. Primeiro, a voz: algumas, como a dele, já estão na esfera da imortalidade, como a de Elis. Tem um grito preso dentro de nós que ecoou pela voz deles. Nas Diretas já, na morte de Teotônio Vilela, em todas as nossas mil tentativas de quebrarmos anos de silêncio e ditadura militar, tortura, gritos, presos, expulsos, amordaçados e mortos no Brasil (e ainda tem maluco que acha isso uma maravilha!). Mas se não fossem Milton, Chico, Fafá, Gil, Caetano, Taiguara e mais um monte, o tempo de falar, como falamos hoje, não chegaria. E ele foi um dos que fez mais hinos. E os cantou todos, ontem. Era pra escola pública explicar o que ele pensou pra fazer cada uma das obras primas que cantou, se a gente tivesse alguma educação pra se agarrar nesse momento de tanta crise. Era pra gente sair do show em passeata exigindo respeito da classe política. Era pra gente olhar pra minha geração e ver o que fizemos de certo e errado, pra conseguirmos seguir em frente como os artistas o faziam, antes – íamos em frente. Porque é impossível falar de Milton sem falar em política, em semente, em verdade. Sem falar que ele foi um dos que cortou mares, gritou, fez alguma coisa concreta e respeitável, num país que agora sangra, mas que sempre foi sangrado de alguma forma. Num país que tem tantas minorias que deveria se ver com orgulho porque se todas se somassem, seríamos hoje a maioria representada que nunca fomos. Seríamos assumidamente mestiços. Sairíamos do armário, portanto. Abraçados com índios, negros, brancos, orientais, árabes e quem mais aparecesse. E isso tudo eu senti ontem: esse misto de tudo o que somos e o que queremos ser. E que podemos. Segundo, a música: Uma coisa mestiça de índio brasileiro de mil cores e raças misturadas, com índio sul-americano; que tem uma batida única pra gente e que é reconhecível a mil quilômetros. É Milton - todo mundo que é brasileiro mesmo, sabe. Fiquei ali chorando e rindo, tocando meu tambor imaginário enquanto ele cantou amores, amigos, dores, esperanças, raças e sementes. Enquanto ele nos mostrou que estamos vivos. Meio velhotes, todo mundo beirando os 60, mas vivos. E dentro da nossa vida, a vida na voz de Barbara Barcellos – uma índia brasileira que deu a voz como quem dá a vida – com pureza e generosidade. Depois do show - olhando os vernizes e as falsidades com o ar de riso que não vira gargalhada por respeito a esta geração que tentou e tenta ver a cara do Brasil - voltamos pra casa com a mensagem com a qual a voz de Milton mais uma vez nos deixou – a chave mágica – os políticos, os puxa sacos dos políticos e os que só vivem de indicações dos políticos, como morcegos podem nos roubar muito, mas nunca o sonho. Nunca o sonho. Nunca o sonho...
Ana Ribeiro, diretora de TV, teatro e cinema
Ambiente sereno, tranquilo, com público sentado. Pipocas, água de coco, cerveja, acarajé e mais um monte de coisas gostosas rolando antes, durante e depois do show. Uma cultura inquieta que junta constantemente comida, bebida e música que eu ainda estranho bastante, porque meu jeito é estar ali com a música e depois quem sabe um jantar, com conversa e recordando o momento que vivemos. Mas adoro sentir as diferentes formas de cada um se divertir. Qualquer dia começo com as pipocas...
Conhecido como uma pessoa muito tímida, surgiu bastante falador e deixando a história ou razão de cada canção estar incluída no show, o que foi uma delícia. Conseguimos entender que depois da doença grave que teve, algumas coisas mudaram. E se já gostávamos, amávamos, ainda gostamos e amamos mais quem é, o que canta e o que defende.
Canta neste show com Barbara Barcellos, uma cantora maravilhosa.
Canta uma música de uma das melhores cantoras argentinas, Mercedes Sosa.
Fala com orgulho que um dos seus músicos é professor na Universidade Federal de Belo Horizonte e tem uma matéria com o nome – “A música de Milton Nascimento”.
Dedica uma música a Marielle Franco e Anderson Gomes.
Explica como adotou seu filho Augusto e canta a música que lhe dedicou.
Conta que enquanto fazia um show, todos os líderes índios se reuniram e nesse momento foi aceite pelos Índios Guarani-Kaiowá e lhe deram o nome de Semente da Terra. Percebemos um orgulho imenso.
Conta como Elis Regina escolheu uma das músicas dele que fez mais sucesso, na voz dela – Maria, Maria. Ele diz que cantou mais de 40 músicas e que Elis achava que tinham sido 4. (Riu...) Quando Elis lhe perguntou se não tinha mais nada, cantou esta música que considerava menor. Foi a que Elis gostou mais. O mundo também amou.
Explicou alguns momentos e histórias com amigos que despoletaram a criação de letras de despedidas, de saudades e de reencontros. Um amigo que pensava não ver mais, torna a encontrar passados anos. Amigos que fazem o bem pelos outros na Amazônia.
Milton é um homem bom, que sabe fazer bem e apreciar o bem que os outros fazem. Refere sempre os índios e as minorias, lembrando que precisam ser amados, cuidados e tratados por igual. Um homem que vive a vida sentindo a verdadeira importância da amizade, do respeito, da honra, do carinho, dos verdadeiros sentimentos.
O final com um agradecimento muito carinhoso a todos que fazem parte da equipe dele e que tem um significado muito maior depois de ter recuperado do problema de saúde.
Por tudo isso é amado e respeitado em todo o mundo, com históricas composições lembrando a importância do amor, amizade, natureza, índios guarani-kaiowá e de tudo que é verdadeiramente importante na vida de cada um no mundo.
Agradeceu a Íris Produções, pelo produção do show e nós também agradecemos pela cortesia dos 2 ingressos e pelo carinho. Muito gratas
Ana Santos