O que trazemos da neurose familiar pra dentro da nossa vida? E se não fosse apenas o que somos – “normalmente” neuróticos - e um filme apontasse para outros desdobramentos? Quantas pessoas ficam frente a frente com seus sintomas emocionais sem vernizes de hipocrisia? O que acontece quando as “portas da moralidade da família” se fecham? O Brasil se olha no espelho quantas vezes?
INSTINTO é um filme holandês na plenitude do que isso culturalmente significa porque, para além dos nossos preconceitos sociais indistintos e ocultados, o filme mostra. Atores inigualáveis, de uma beleza e de uma capacidade de sedução, de sensualização de momentos, incrível. E não vá pensando que é estilo sul-americano porque não é – não tem ninguém pelado rebolando pela cena. Aliás, ao contrário: a brutalidade do filme reside exatamente no fato de que ele não usa nada do que a gente esperaria ver, aqui. E o clima de sensualização extrema permanece, te invade. E você reage a ele porque vê o sentido patológico que as coisas têm, apesar da forma.
Câmeras ondulantes, perturbadoras, em estado de “close up” muitas vezes. Você vê os detalhes da beleza, os mínimos detalhes da beleza; e a doença por detrás.
As últimas cenas do filme são lancinantes, mesmo sem aquela violência “normal” dos nossos programas de TV, da hora do almoço. Reações, projeções, diálogos, jogos de palavras – tudo está ali. É um filme para ser analisado em camadas sociais, emocionais, patológicas, sistêmicas, educacionais. Não existe a possibilidade de você sair sem se sentir profundamente atingido. São como bofetadas sucessivas sem barulho, sem alarde. É como sangue que não salpica em tudo, apenas escorre. E a gente fica tentando explicar motivos que justifiquem alguém não assimilar sexo como forma de carinho, mesmo sabendo que não há uma forma/fórmula de exercício sexual e de exercício de prazer - e que somos regidos por este princípio.
É um filme que vale ir ver em grupo, portanto. Há muitas complexidades expressas e ocultas em sermos quem somos. É um soco no estômago. Mas vale a pena a dor, nesse caso.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Um filme feito por mulheres. Direção, roteiro, música.
Representa a Holanda no Óscar de melhor filme estrangeiro em 2020, quase a alcançar um milhão de dólares em bilheteria pelo mundo. A maconha livre, as casas com paredes de vidro, que se vê tudo da rua e que permite ver a rua de dentro da casa. Em casas térreas. A Holanda que nos anos 80 era chocante e surpreendente para jovens adolescentes de países com casas cheias de paredes e portas fechadas.
Os dois protagonistas, fabulosos atores, lindos, inteiros. Corpos cuidados, não artificiais.
Se é da Psicologia ou da Psiquiatria, é um filme obrigatório. Obrigatório.
Se não é dessas áreas, deve ver, mas se prepare. É um filme difícil. Que obriga a olhar a vida de frente. Psicopatia, manipulação, domínio, medo, estupro, ciúme, maternidade, sexualidade, violência, assédio, machismo, prisão.
Psicopatas aprendem que a sua sobrevivência depende de dizer e fazer o que os outros querem. Aprendem isso muito bem. E o mundo acha que eles melhoraram. E eles ficaram mais perigosos porque acumulam conhecimento.
Os comportamentos adequados determinam em grande parte quem é aceite ou não, em sociedade. Dão estabilidade emocional. Mas as fronteiras da normalidade são frágeis e quando o ser humano as ultrapassa, surpresas dentro de si e na sua vida podem acontecer. O filme nos lembra que a diferença entre ser “São” ou “Louco” é muito pequena...ou nenhuma.
Nos mostra o perigo e a fragilidade de ser terapeuta em ambientes de pessoas que sabem esconder quem são. Especialistas.
Nos mostra que os terapeutas também são humanos e com histórias de vida muitas vezes traumatizantes e que os perseguem. Não são autómatos nem robôs que aguentam tudo e resistem a tudo. Ninguém resiste a tudo.
O filme não toma partido. Isso também é desconcertante. E te deixa numa tensão o filme todo.
Um psicopata que cometeu crimes sexuais horrendos, está quase em liberdade quando uma psicóloga experiente começa a trabalhar com ele e percebe que ele está manipulando e enganando todos no sistema prisional. O psicopata não gosta e começa a usar as suas armas de sedução, charme e manipulação. A partir daí o filme é uma completa surpresa em cada cena. E eu vou deixar esse mistério motivar a sua ida ao cinema para ver o filme.
As nossas ações ou “não” ações abrem ou fecham as portas para os outros. Precisamos ter consciência disso.
Comentário de Halina Raijin, cineasta, produtora, atriz, escritora – Primeiro filme que dirige:
“VI UM PROGRAMA DE NOTÍCIAS, CINCO ANOS ATRÁS, SOBRE O AMOR NA PRISÃO. FIQUEI TOTALMENTE INTRIGADA COM O FATO DE OS TERAPEUTAS [PRISIONAIS], OU PESSOAS QUE TRABALHAM COM CRIMINOSOS. FOI ASSIM QUE TUDO COMEÇOU: UM FASCÍNIO PELO ASSUNTO. PENSEI: ‘ESSA É A IDÉIA PERFEITA” – CONTAR UMA HISTÓRIA SOBRE SEXUALIDADE E PODER E CRIAR UM PAPEL MUITO DESAFIADOR PARA [CARICE]. ESSES FORAM MEUS PENSAMENTOS PRINCIPAIS DESDE O INÍCIO – NÃO PARA FAZER UM DRAMA SOCIAL, MAS PARA CRIAR QUASE COMO UMA HISTÓRIA ABSTRATA COM O TEMA ‘SEXUALIDADE E PODER’.”
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme
https://www.imdb.com/title/tt8386898/
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