Num momento mundial com tão pouca sensação de espaço para as diferenças, assistir a Green Book é uma experiência de doação pessoal da qual cada vez sinto mais falta. O nosso bebê Bug Latino nasceu da responsabilidade que eu e Ana Santos decidimos assumir, diante do empobrecimento da nossa comunicação oral e escrita e de sua consequência mais feroz - a frustração por sequer conseguir colocar em palavras as frustrações da vida real, que vão continuar sendo enormes nas vidas de todos nós.
Em Green Book, Doctor Shirley - super pianista virtuoso - poderia ter escolhido só tomar whisky e reclamar do preconceito racial - muita gente faz exatamente isso, hoje. Brasília é cheia deles. Mas não. Ele escolheu ir aos lugares mais difíceis e enfrentar o preconceito, doando sua genialidade - uma tentativa de aplacar ódio com arte. Não vou contar o filme inteiro, mas a forma como o diretor desenha o convívio entre um italiano tosco e um músico negro genial vai do humor total, à mais profunda emoção. Afinal, o que existe de difícil em se aceitar que temos e dividimos nossa própria humanidade? Que é isso, exatamente isso o que temos em comum? E que mesmo os cegos, os sem perna, amarelos, gays, índios, pobres, negros, velhos, doentes, mulheres, retirantes, imigrantes, guardam este mesmo traço humano onde quer que estejam?
Pois é, o Doctor Shirley inundava a alma das pessoas com este argumento e o Tony Lip - o tosco - dá um show de humanidade todas as vezes em que foi preciso, brigar, comprar, conversar ou seja lá o que fosse necessário para deixar claro que aquele homem que todos queriam como músico, deveria ser aceito como gente. Sempre. E antes de tudo.
Um filme lindo e obrigatório num mundo com perversos e covardes prontos para olharem para o lado, fingindo que não viram o bullying, a humilhação disfarçada em piedade, o olhar de desprezinho que vemos - VEMOS! - por aí.
As escolas deveriam ser convidadas a assistir e discutir o que cada um de nós pode fazer. E você? Tá esperando o quê pra ir?
Ana Ribeiro, diretora de cinema, TV e teatro
“É preciso coragem para mudar o coração das pessoas.”
“Só se vence quando se mantêm a dignidade.”
Duas frases que já bastariam para levar você ao cinema para ver este filme. Tem muito para ver, para refletir, para questionar vendo este filme.
Os que vieram para esta vida com funções pioneiras e aceitaram esse caminho têm muitos momentos em que se sentem sós. Sem identidade, sem tribo. São humilhados constantemente e não reagem. E, tratam essas mesmas pessoas com uma intocável educação. Isso é muito difícil. Por isso a maior parte das pessoas desiste e procura pertencer a alguma tribo. Também por isso, estas pessoas são muito especiais. Porque fazem muito pelos vivos e pelos outros que ainda vão chegar. Isso é in...crível. Um nível de coragem, de ativismo e persistência que é um exemplo, uma referência. Uma inspiração.
A linguagem te posiciona na sociedade. Te protege ou te destrói. É uma escolha. Os que estão do lado considerado certo nem reparam nas coisas erradas que fazem, porque para eles é normal e está bom assim. Não é desagradável viverem como vivem, por que iriam mudar? Mas os que estão no lado considerado inferior e errado, sofrem a cada segundo, são humilhados, amargurados, destruídos e não entendem por que os outros fazem isso e nem percebem. Isso os ofende mais ainda. Ninguém está livre de mudar de lugar no jogo da vida. Muitas pessoas acham que serão sempre superiores e intocáveis. Esquecem que isso não existe. Quando vamos entender que o mundo é de todos e ninguém tem direitos maiores do que os outros?
Trilha sonora maravilhosa.
O filme é uma versão da história. Como todas as histórias, depende de quem as conta. Por mim, tudo bem. Podem fazer outro filme com a outra versão. Será maravilhoso também.
Saio do filme com uma imensa vontade de sair de carro pela vida. Adoro dirigir/conduzir. Sempre adorei fazer viagens de carro e este filme me aguçou o apetite.
Ana Santos, professora e jornalista
Informações sobre o filme:
https://www.imdb.com/title/tt6966692/
Site da Saladearte: